CARTAS A UM NOVO VIAJANTE

TENHO ASAS, DIZEM POR AÍ. MAS POR UM TEMPO, E SEM RESSENTIMENTOS, ESTÃO RECOLHIDAS. PENSEI EM CORRER PARA UMA CASINHA NO CAMPO E CONTINUAR ISOLADA POR LÁ, MAS CORRER SERIA FUGIR, E FUGIR, NÃO ME AGRADA. 

É hora de ficar, e quanto mais eu fico, mais me certifico de que poder ir e vir, narrar o que meus olhos veem e dar um contorno para o intangível desejando que palavras cirúrgicas inundem a vida de outras pessoas, é a “droga” que mais me falta agora.

Por outro lado, não sentir algo é abrir espaço para sentir outras coisas. Na quietude do momento mais desafiador das nossas vidas, privados da liberdade que tínhamos até que a conquistemos novamente, percebo que nada será ou poderá ser igual. Enquanto vivo um choque de realidade, desci fundo para entender as razões que me fazem voar para longe de casa e descubro que viajar, até então, ocupava dois lugares na minha vida, um fora e outro dentro, e antes de seguir, vou explicar o que cada um significa.

Viajar para Fora, defino como um lugar estético, cercado de beleza, mas se eu fosse a Rita Lee, diria que é sexo (rs). Poder me misturar com a natureza e experimentar a arquitetura das cidades e suprir minha constante busca por design de qualidade, é sem dúvida o primeiro passo para a escolha de um novo destino. Visitar um lugar pela primeira vez, andar pelas ruas, ser mimada por grandes ou pequenos hotéis, ver a real cor de cada país, sentir o cheiro das coisas, conhecer suas pessoas, experimentar a comida e ver de perto a natureza que o planeta oferece, começando pelos mares do caribe às savanas africanas, é meu maior prazer.

Viajar para Dentro, é amor, ou talvez, é o que escritor inglês Pico Iver, define como “estar completamente apaixonado”, pois é quando absolutamente todos os meus sentidos estão despertos e vibrantes. É coração acelerado, é a emoção de entrar no desconhecido. É despertar sensações únicas. É trazer o outro para perto e deixar um pouco de mim. É definitivamente o sentimento que impulsiona minhas idas e sustenta minhas voltas. O que entra, certamente dura pra sempre, e neste caso, não importa se é amor… ou uma avassaladora paixão.

Definir o que me move foi um exercício relevador, mas também um choque de realidade. Percebi que é hora de usar esse amor todo para, de fato, mover o mundo para além do meu umbigo. Não poder viajar, sabe-se lá por quanto tempo, me fez perceber que a vida tem que caber dentro de casa, não só hoje, mas sempre. E com tanto tempo e com tanta casa, será que temos uma vida que ocupa mesmo este espaço todo? Não importa quantas viagens você já fez, seu título no trabalho, ou quantas línguas fala, nada disso preenche uma casa. Também não é sobre quantas pessoas estão confinadas nela. É sobre visão de mundo, é sobre usar esse “lugar” para reavaliar privilégios e atitudes, e saber que tudo que fizemos até hoje, impactou alguém ou o planeta de alguma forma, e que se isso não for suficiente para acordar diferente depois que tudo passar, sinto dizer que você não está entendendo nada.

Alimentar meu prazer em viajar não terá mais prazer algum se eu não puder usar minha voz e minhas escolhas para algo maior. Por isso, trago boas notícias, nada será cancelado, porém nada será como antes. Inspirada por ativistas e defensores do planeta e da paz, confesso que me sentia longe demais para me juntar a eles. Até que ouvi o termo “undercover activist” (ativista disfarçado) aquele que não carrega o peso da palavra, mas são bons cidadãos por natureza, transformam o mundo através de ações cotidianas. Parece pífio, mas foi revelador, pois eu precisava de um lugar palpável para me encaixar sem forçar a barra. Já conduzia minha vida com base nas minhas atitudes respeitosas em relação às pessoas, agora só vou elevar e ampliar minha existência incluindo um terceiro pilar que sai do meu cotidiano e passará a sustentar minha curiosidade e minha incontrolável vontade de conhecer o mundo. Pilar este que definirá minhas escolhas de hoje em diante e que estarão presentes não só na minha vida, mas nos meus textos: SUSTENTABILIDADE.

No documento que mapeia os 17 gols instituídos pela ONU em 2015 para transformar o mundo através de ações sustentáveis, diz: “É importante saber que qualquer pessoa pode ser um green citizen”, seja ele agricultor, professor ou presidente. Queremos dar-lhes voz, para persuadirem outros a mudar hábitos”.

Por enquanto, continuo a estudar e a me aprofundar no assunto. Voltarei em breve com tópicos que começarão por traduzir os termos que definem um estilo de vida sustentável (acredite, são muitos) e é surpreendente quantos deles já estão inseridos na nossa vida, mas não elevamos. E tão logo puder, trarei dicas de roteiros e hotéis que já são pautados em ações sustentáveis ha tempos, para que fiquem no seu radar. São estes que merecem nosso apoio e nossa voz.

Por ora, aproveitemos nossas casas, pois de nada vale sair por este mundão, mesmo com as melhores intenções, se não tivermos um ninho cheio de nós mesmo para voltar.

Texto Dani Pizetta

Pensata originalmente publicada na Harper´s Bazaar Online.

As fotos que ilustram o artigo, foram tiradas pelo amigo querido Bruno Batistela (@brunobatistela) durante viagem para os Hamptons, USA, no verão americano de 2019. Neste dia, estávamos visitando o Parrish Art Museum e as fotos foram tiradas no jardim selvagem do museu.