Os tempos mudam e os parisienses nunca saem de moda. A discrição é o segredo da sua elegância: fazem ginástica, mas não postam no Instagram, frequentam palácios, mas se encontram no bistrô do bairro, andam sozinhos, mas juntos apreciam bons vinhos e longas conversas. Para eles, não existe excesso, existe a medida certa
A verdade é que a beleza mora na individualidade. E se tem algo que os mais despretensiosos fashionistas do planeta tem em comum, é que nada parece premeditado no seu jeito de vestir.
Desde os primórdios, moda na cidade francesa é ter personalidade. E assim é a marca Kilometre, fundada pela globe-trotter Alexandra Senes.
Alexandra poderia ser francesa, mas é do mundo, e seu apreço por qualidade aliado ao seu espirito livre, fazem da sua marca, uma das mais instigantes da cidade luz, e agora, de São Paulo.
A convite do Iguatemi 365, conversei com Alexandra Senes, fundadora da Kilometre Paris sobre sua trajetória como jornalista até lançar sua marca, há cinco anos
Alexandra, você nasceu na África, cresceu nos EUA e mora em Paris. Como viver em diferentes continentes moldou sua alma e suas escolhas?
Mudamos de Dakar para Nova York quando eu tinha oito anos. Lembro que foi muito difícil me adaptar ao estilo de vida de Manhattan. Deixei um lugar ensolarado e perto do mar para morar em uma cidade cheia de concreto. Minha mãe diz que eu não queria usar sapatos nem casacos para ir à escola no inverno. Mas hoje entendo que foi apenas um ato rebelde em resposta à mudança. Levei um tempo para me adaptar, mas a mudança foi chave para abrir meus horizontes, e desde então, aprecio as diferenças. Andar descalça diz muito sobre mim, é um estado de espírito. Consigo migrar do “pé na areia” para um palácio em Paris, mantendo minha essência.
A Kilometre Paris nasceu em 2015. Ao apresentar a marca ao mundo, você disse: “tudo que eu amo está na Kilometre”. Pode dar mais detalhes sobre este amor?
Moda, viagens e pessoas: isto é a Kilometre. Hoje em dia está na moda falar em storytelling e experiências. Mas a Kilometre não é sobre contar histórias. Não fazemos marketing; tudo vem do meu coração e das minhas vontades e não é uma ideia de marketing dizer isso. Comecei como jornalista de moda, então moda faz parte da minha vida. Tenho entrevistado pessoas desde que me formei, ou seja, a ‘história outro’ me fascina. E viajo desde criança, então a junção destes fatores moldou minha alma, meu estilo de vida e consequentemente minha marca.
O nome “Kilometre”, ou “Quilômetro” em português traduz lindamente a essência da marca. Quando decidiu que era este o nome?
Esta é uma ótima pergunta, pois na verdade, o nome surgiu há quinze anos. Na época eu trabalhava para uma grande empresa, mas andava exausta e para fugir da rotina, tive a ideia de criar algo diferente: lançar uma coleção de camisetas bordadas por artesãos, com a localização GPS de 10 destinos escondidos, mas com potencial para se transformarem na próxima “Ibiza”. Liguei para a Sarah Andelaman, fundadora e diretora criativa da Collete em Paris e falei sobre minha ideia. Sou uma jornalista, não uma designer, mas entendo de pessoas e sabia que seria um sucesso. Sarah topou na hora, e assim, dei à coleção o nome de Kilometre. Dez anos depois nasceu a marca como é hoje.
Algum destino Brasileiro entre os 10 que estiveram na Collete?
Sim! A Praia do Espelho em Trancoso. Muitos brasileiros conhecem Trancoso, mas nem todos, e certamente ninguém conhecia a praia do Espelho na França, mas agora, os franceses mais bacanas conhecem e sonham em ir.
Antes de fundar a Kilometre você atuava como jornalista. O que a fez empreender?
Trabalhava como editora chefe de uma revista de moda em Paris, mas não estava mais me encaixando nesta posição. Não concordava com a conduta da indústria, principalmente na área de mídia. Acabei perdendo parte da minha equipe e logo fui demitida. Foi o sinal que faltava para retomar a ideia da Kilometre. Solidifiquei o conceito de celebrar viagens e lugares através do bordado e me cerquei de boas companhias.
Você certamente ama pessoas. Em seu site encontrei o seguinte depoimento: “Kilometre não é apenas sobre a descoberta de novos destinos, mas sobre um time multicultural que faz tudo acontecer”. Como você encontra as pessoas que entram para ao seu time?
Pra mim é muito importante estar em grupo. Me cerco de pessoas diversas em todas as áreas da minha empresa. Gosto de contratar pessoas talentosas do mundo inteiro, porque essas pessoas têm outro ponto de vista, têm outra forma de agir e isso, gera um resultado único. Às vezes, é difícil adaptar-se, mas é bem melhor do que trabalhar com quem pensa como você. Sempre digo que somos como um Kibutz que une muitas pessoas diferentes trabalhando juntas para o mesmo resultado.
Como você define luxo nos dias de hoje?
Luxo não é um logo, não é comprar uma marca cara. Marcas caras são ótimas porque você compra qualidade, mas não se usa uma marca dos pés à cabeça. As parisienses são muito chiques pois não usam um uniforme imposto por uma campanha de marketing; sim, elas usam Kilometre, Prada ou Celine, por exemplo, mas do jeito delas e misturam com itens que encontram em lugares especiais. Existe um valor inestimável no feito à mão. Autenticidade é luxo.
Qual a lição que carregará para a vida pós-COVID?
Acredito que o maior aprendizado desta pandemia é que precisamos mais do que nunca coabitar, cocriar e compartilhar. A troca é muito necessária em todos os aspectos. Precisamos nos ajudar mutuamente e saber que tudo está interligado.
Tem se falado muito sobre o futuros da indústria de viagens, sendo uma trendsetter, como acha que viajaremos daqui pra frente?
Há tempos sinto que não estamos viajando do jeito certo. Há dois anos senti vontade de comprar uma bicicleta e passar mais tempo no sul da França, por exemplo. Não gosto quando alguém fala que já “fez” Paris ou já “fez Nova York. Não é possível conhecer um lugar “ticando” pontos turísticos. É preciso tempo, você precisa andar pelas ruas e conviver com locais para descobrir a essência dos lugares. Quem faz museus e pontos turísticos apenas, não se entrega. A mistura das duas coisas é o ideal e viajar daqui pra frente é viajar menos, mas viajar com tempo. Tempo é luxo.
E qual sua definição de casa?
Eu tenho raízes espalhadas pelo mundo. Casa não é minha família, casa é onde estão meus amigos.
Sua marca está chegando no Brasil pelo Iguatemi 365, quando você virá nos visitar?
Assim que possível, mas antes, gostaria que as brasileiras me enviassem os lugares mais bacanas que ainda estão escondidos e que quase ninguém vai. Adoraria fazer uma coleção dedicada à estes lugares e como sou muito curiosa, eu quero conhecê-los pessoalmente.