MICAEL AMARANTE

A música nos transporta para lugares distantes e nos conecta como seres humanos.

Micael é carioca mas poderia ser do mundo. Escolheu o Rio para viver e desde pequeno foi incentivado a viajar como parte da sua educação. Formado em Direto com mestrado na Holanda, foi diplomata, fala diversas línguas e esteve no Timor Leste em missão de paz. Porém, a música o escolheu, e apesar de ter viajado pelo Brasil cantando em diversos palcos com suas bandas Mohandas e Flor de Sal, no último ano (como todos nós), Micael ficou em casa e abriu uma nova janela. Nas suas mídias sociais, o músico posta um vídeo por dia nos presenteando com músicas autorais e covers de artistas que admira.

Sensível e espiritualizado, estudou hinduísmo na Índia, budismo no Nepal, cristianismo e judaísmo em Israel e religiões afro-brasileiras e indígenas no Brasil, e diz que é incrível como tem boa música no campo da espiritualidade.

Vambora viajar com ele!

Micael, mesmo pequeno você viajava com seu próprio dinheiro. De onde partiu esta (boa) ideia? 

Ideia da minha mãe, Michaela. Apesar de ela ter nascido no Brasil, morou em vários países e conheceu meu pai, que também é brasileiro, no Senegal. Eles eram cidadãos do mundo e me formaram com esta premissa. Minha mãe fez questão de incluir viagens na minha vida como um complemento à minha educação. Por volta dos meus 14 anos ela disse: “você pode escolher um curso em algum lugar do mundo e viajar sozinho. Vou te dar uma quantia específica e você pode planejar a viagem dentro deste orçamento”. Hoje percebo que esta transparência me incentivou a voltar para casa com dinheiro para ajudar na próxima viagem.

Quais os aprendizados de um “mini viajante”? 

Enormes (rs)! Mas além do empurrão da minha mãe, meu pai e meu padrasto (que é francês), também foram grandes influências na minha vida. Há 30 anos meu pai foi para a Índia, e quando fui, acabei ficando no mesmo monastério que ele. Mas acho que o maior aprendizado foi perceber que as fronteiras físicas que criamos não são as que me movem, pois na verdade, somos todos terráqueos e estamos juntos neste planeta para guardá-lo.

as fronteiras físicas que criamos não são as que me movem, pois na verdade, somos todos terráqueos e estamos juntos neste planeta para guardá-lo

Micael Amarante

Micael, o que corre nas suas veias?

Poderia ser a água do mar… ou música, ou as duas coisas, mas tem muita história também! E principalmente alguma coisa da minha avó materna que ficou em mim. A origem dos meus avós é incrível. Parte da minha família era do império Austro-húngaro, outra parte da Holanda e a família do meu pai é portuguesa. Meu avô materno nasceu na Indonésia – que na época era colônia Holandesa – lutou na segunda guerra mundial, conheceu minha avó na Holanda e os dois deixaram a Europa pós-guerra em busca do novo. Chegaram no Brasil e encontraram a abundância natural do Rio de Janeiro e por lá se estabeleceram. Já a família do meu pai se instalou em Minas Gerais e é uma família grande, super musical e que me inspira muito.

Qual a maior diferença entre o Brasil e a Holanda?

Certo dia você falou sobre dançar… acho que a dança é uma característica da nossa cultura brasileira. Quando eu era criança pensava que dançar era para todos, e é, mas quando fui para Holanda percebi que dançar é um fenômeno latino, tropical, brasileiro e tem muito a ver com o nosso viver, enquanto o europeu (de modo geral) problematiza muito as coisas, incluindo a dança. Eles tem coisas lindas também, porém dançar, não é o forte deles!

E o que fez seus avós criarem raízes nesta terra maluca que é nosso Brasil?

Eles chegaram aqui por volta de 1950. Imagina aportar no Rio de Janeiro cheio de luz, sol, samba, a bossa nova nascendo, nossa comida saborosa e tropical…. Para quem nunca visitou a Holanda, sinto dizer que a comida é um desastre (a não ser que você goste dos sabores da Indonésia). Enfim, acho que se apaixonaram pela beleza e principalmente pela leveza do Brasil e nunca mais foram embora (rs). Criaram raízes elásticas, tanto é que eles iam passar um tempo lá, mas sempre voltavam!

Meus avós criaram raízes elásticas no Brasil, tanto é que passavam um tempo na Holanda, mas sempre voltavam!

Micael Amarante

Crescer exposto a diversas culturas deve ter influenciado profundamente sua visão de mundo…

Apesar da minha família ter se adaptado muito bem por aqui, sempre apreciou elementos de outros cantos do mundo. Acho que o primeiro impacto em mim foi aprender outras línguas naturalmente, pois em casa falávamos diferentes línguas o tempo todo. Como a Holanda é um país pequeno e ninguém fala a língua deles, os holandeses têm um apreço enorme por falar (bem) outras línguas, e minha avó manteve este pensamento mesmo aqui no Brasil. Outra memória que tenho é da casa dos meus pais, desde muito cedo convivi com arte e objetos de decoração de outras culturas, como da África, por exemplo, então acho que outro fator importante foram as diferentes estéticas e culturas presentes no meu dia a dia.

Quantas línguas você fala?

Em casa aprendi quatro línguas (e meia) fluentemente, o que é fantástico pois não só me comunico melhor quando viajo ou quando recebo amigos estrangeiros, mas me faz entender como o outo pensa. Falar a língua do outro demonstra interesse e as pessoas sentem isso. Mesmo que você erre, o outro percebe seu esforço.

Falar a língua do outro demonstra interesse, e as pessoas sentem isso. Mesmo que você erre, o outro percebe seu esforço

Micael Amarante

E qual a influência das línguas que aprendeu, na sua música?

Falar e pensar em outra língua faz muito sentido musicalmente. Lembro da minha mãe cantando “Ne Me Quitte Pas” (Não Me Deixes) em casa, e tem uma parte que diz: “te oferecerei pérolas de chuva vindas de países onde nunca chove”. Obviamente isso não faz sentido ao pé da letra, mas para quem fala francês fluentemente, consegue entender o que existe por trás da palavra. Nós somos muito verbais e o quanto mais tivermos o domínio da linguagem, mais nos entenderemos. Falar a língua do outro nos permite acessar o que o outro “quer falar”. A língua inglesa é outro exemplo da profundidade que existe no verbo, veja como os americanos simplificaram as conjugações, e isso é na verdade um reflexo do quanto são pragmáticos. Quando escrevo em outra língua, é porque sinto assim.

Nós somos muito verbais e quanto mais tivermos o domínio da linguagem, mais nos entenderemos. Falar a língua do outro nos permite acessar o que o outro “quer falar”

Micael Amarante

Você nasceu e mora no Rio de Janeiro, “uma cidade maravilhosa”. Falamos sobre viajar e conhecer o mundo, mas como é morar em uma cidade turística, a qual o mundo sonha em conhecer?

O Rio é definitivamente lindo e o turismo é o carro chefe da economia por aqui, por isso, precisamos aprender a conviver com os turistas. Meu segredo é fugir dos pontos turísticos em momentos como feriados, mas no Carnaval não tem jeito. Por outro lado, não é segredo que uma das cidades mais lindas do mundo também tem muitos problemas de gestão. Parte destes problemas, acredito ser herança da era monárquica. O Rio foi a única capital de um império europeu nas Américas, e de certa forma, manteve alguns aspectos comportamentais que influenciam os cariocas até hoje (para o bem e para o mal). Outro fato marcante na história do Rio foi a transferência da capital para Brasília nos anos 1960. Depois disso a cidade definitivamente perdeu seu poder, mas manteve o seu charme, seus monumentos icônicos e uma das coisas mais lindas que “deus” criou: a Bossa Nova!

 Se pudesse eleger um lugar especial no Rio, qual seria?

São tantos! Mas uma das coisas que mais gosto daqui é o Cristo, pois ele não está “sofrendo”. Vi alguns projetos que carregavam alguns símbolos como a cruz ou os espinhos e dava uma sensação de tristeza. O que eu mais gosto do projeto implementado, é que é um Cristo que está em paz.

O que eu mais gosto do Cristo Redentor, é que é um Cristo que está em paz

Micael Amarante

Sua vida poderia ser uma trilha (sonora)?

Minha vó Dorith (mãe da minha mãe), foi uma referência na minha vida em vários aspectos. Foi dela o violão que hoje carrego comigo para todas as minhas viagens. Já o primeiro disco que ganhei da minha mãe, foi um vinil do Michael Jackson e quando comecei a viajar com meu violão, descobri que alguns hits de Michael como Billie Jean, poderiam ser um ponto de conexão entre culturas, pois o mundo todo (ou quase todo), sabe cantar. A música definitivamente me acompanha para onde quer que eu vá.

Seria a música uma viagem?

Acho que a música é o caminho. Ela nos transporta para muitos lugares e nos conecta como seres humanos. Sting, que é uma das minhas maiores referências musicais, disse em uma entrevista que se você gosta de fazer música, deveria fazer por este simples motivo. Não que não possa virar um trabalho, pode até virar, mas música é um hábito que quanto mais você pratica, melhor você fica e vai cada vez mais longe. Meu violão é um grande amigo de viagem, uma companhia que não se exaure nunca.

Acho que a música é o caminho. Ela nos transporta para muitos lugares e nos conecta como seres humanos

Micael Amarante

Você falou que a Bossa Nova é a coisa mais linda que deus criou.

O Brasil é minha maior influência musical. Tom Jobim, Vinicius… A bossa nova é genial e tem uma coisa muito linda que é a “grandeza do pequeno”. João Gilberto, por exemplo, cantava tudo de forma “pequenininha” mas o impacto musical é gigante e é um exemplo da musicalidade da língua. Mas também tem Caetano, Cartola, Marisa Monte…

A bossa nova é genial e tem uma coisa muito linda que é a “grandeza do pequeno”

Micael Amarante

Em tempos difíceis como hoje, como poderíamos viajar sem sair de casa?

Acho que através da história das pessoas e do verbo. Lembro que desde pequeno, quando aparecia alguém muito artístico ou diferente, minha mãe sempre dizia: “olha como essa pessoa é interessante”.

Você é um artista, o que te levou a fazer Direito?

Desde muito novo comecei a conectar alguns pontos: como minha paixão por história e o fato de que as pessoas que me interessavam, migravam para o direito como por exemplo: Mandela, Gandhi, Vinicius de Moraes e até Sergio Viera de Mello; todos têm essa relação com direito ou diplomacia, e isso se resume ao bom uso da palavra e da oratória. No final, me ajuda muito como músico

Lembro que desde pequeno, quando aparecia alguém muito artístico ou diferente, minha mãe sempre dizia: “olha como essa pessoa é interessante”

Micael Amarante

Você foi diplomata. Como foi a experiência na ONU e sua passagem pelo Timor Leste?

O que me fascina na ONU é o fato de ser um ambiente com pessoas de vários lugares do mundo conversando por um bem comum. Tudo começou quando fiz meu mestrado em Direito Internacional na Holanda e tive a sorte de estudar com pessoas que conheciam um dos meus ídolos: o diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello. Acabei indo para Genebra a trabalho e logo depois resolvi emendar uma viagem para a Índia, Palestina e Nepal. Acontece que, uma vez que você entra para a ONU, seu nome fica no seu banco de dados da organização, e por estar na Índia na época, me chamaram para uma missão de paz no Timor Leste e tive a oportunidade de trabalhar em uma zona de conflitos e aprendi MUITO. A ONU é absolutamente necessária mas é preciso ter plena consciência de que você lida com recursos terceirizados e muitas vezes o peso da estrutura acaba deixando as ações mais lentas.

 Como foi sua passagem pela Índia e como a descreveria?

Fiquei por lá 6 meses e estudei hinduísmo e islamismo. Ao final da viagem e dos estudos, percebi que os textos sagrados são literaturas de altíssimo nível e representam a imortalidade do ser humano. Eu sempre tive muita curiosidade de ir para a Índia e o que aprendi é que, apesar de ser muito intensa, a partir do momento que você se rende a ela, ela te acolhe loucamente. A índia lembra muito a Bahia: a comida apimentada, o país é muito espiritualizado, o povo é acolhedor e tem um tempo próprio. Obviamente a Bahia é mais organizada que a Índia, mas os traços são parecidos.

Eu sempre tive muita curiosidade de ir para a Índia e o que aprendi é que, apesar de ser muito intensa, a partir do momento que você se rende a ela, ela te acolhe loucamente

Micael Amarante

Você crê em Deus?

Sou um ateu espiritualizado e acho que cheguei a esta conclusão justamente por ter estudado muito. Li um livro do rabino Nilton Bonder que se chama “A Alma Imoral” que me fez entender que ao lermos os textos sagrados, na verdade, interpretamos o que está escrito a partir do que carregamos em nós.  Conhecer o pensamento de diferentes culturas sobre seus Deuses, nos aproxima do imortal.

Qual a influência da Índia na sua música?

Eu compus muito na Índia. Na época, estava lendo o livro do Gandhi, que sem dar um tiro, livrou a índia do domínio britânico através do exemplo e da diplomacia. Influenciado pela energia de paz que o país emana, compus uma música, que por alguma razão me veio em francês e é uma homenagem a quem faz a luta política sem violência. Outra coisa incrível que descobri durante a viagem da índia, foi um disco do Jorge Ben Jor de 1970, que se chama “A TABUA DE ESMERALDAS”. Jorge é um profeta e, assim como os Indianos acreditam em reencarnação, eu acredito que ele é a reencarnação de um deus, assim como Caetano, Sade, Sting e tantos outros gênios de agora.

Uma dica para quem vai para a Índia pela primeira vez?

Tenho duas dicas importantes (rs). Nunca faça uma pergunta a qual a resposta possa ser sim ou não, pois eles sempre dirão sim. Passei por algumas situações hilárias até perceber que eles nunca falam não, pois não querem nos decepcionar. Então quando estiver por lá e precisar de informações, sempre faça perguntas que rendam respostas mais complexas. A outra dica, é que é bom acreditar em reencarnação: um dia fui alertado sobre um guepardo no caminho que eu seguia, e que ele matou uma vaca, aí pensei: “bom se aparecer um guepardo, o que eu faço”? (rs) Por isso, é melhor acreditar que podemos desencarnar e voltar diferentes, no meu caso, um pássaro, por exemplo!

O que diria para um novo viajante?

Viaje em paz! E mesmo que encontre problemas e conflitos no caminho, entenda que eles pertencem à outra pessoa. Na verdade, o outro coloca para fora o que está transbordando nele. Por isso, a todo momento: transborde calma. Observe a realidade para entender melhor e reagir melhor.

Clique aqui para ouvir uma trilha musical feita por Micael Amrante no Spotfy, com músicas que cantou durante a entrevista e outras que nos levam por lugares distantes

Para viajar ainda mais longe, o músico recomendou as seguintes leituras durante a entrevista:

Livro Sergio Vieira 
O Homem que queria salvar o mundo
Autora: Samantha Power
Livro Gandhi
Esta noite a liberdade
Autores Larry Collins e Dominique Lapierre
Tao te ching
An illustrated Journey
Autor: Lao Tzu
Versão: Stephen Mitchell

 

Entrevista ao vivo incialmente publicada no perfil @Iguatemi

Texto: Dani Pizetta