EM 2016, VISITEI LANE PELA PRIMEIRA VEZ. LEVEI COMIGO, SUSY MENKES, EDITORA DE MODA GLOBAL DA REVISTA VOGUE, QUE VISITAVA SÃO PAULO A CONVITE DO IGUATEMI. AO ENTRARMOS NO SEU ATELIÊ INUNDADO DE LUZ NATURAL, MATERIAIS E PEQUENAS FERRAMENTAS, SUZY, QUE JÁ VIU DE TUDO NA INDÚSTRIA, RESPIRA E DIZ “VOCÊ É O FUTURO DA MODA”.
O efeito que a designer de sapatos Lane Marinho causou em Suzy Menkes aconteceu há 4 anos. A moda já dava sinais de cansaço. Quatro ou mais coleções ao ano, inúmeras semanas de moda com primeiras filas abarrotadas de opiniões vazias, coleções cápsula entre as coleções principais, mão de obra mal remunerada e a pouca qualidade dos produtos (AKA fast fashion), já alertavam para a insustentabilidade da indústria. Não culpemos apenas o novo corona vírus pelas dificuldades e a angústia do momento. O grave problema que parou as pessoas e o mundo, foi um gatilho para relembrar que a moda já gritava por socorro.
LANE MARINHO É UM ALENTO PARA QUEM PRECISA VER ALÉM DO MOMENTO. A DESIGNER FEZ O QUE MUITOS ESTÃO SENDO FORÇADOS A FAZER AGORA, VOLTAR PARA DENTRO E REINVENTAR-SE.
Um ano depois do encontro com Suzy, Lane me recebeu no seu novo ateliê para esta entrevista que foi inicialmente publicada no site Matriark, e agora replico aqui com uma linda lição de vida e cheia de insights relevantes e propícios para tempos incertos. Hoje, tudo que precisamos é da leveza e da coragem de Lane.
Como se descobriu designer de sapatos?
Muito mais cedo do que eu poderia imaginar. Nasci e cresci em Salvador. Aos 21 anos, cursando Design Gráfico, descobri um concurso da Melissa em parceria com uma importante revista de moda local. A tarefa era personalizar uma das sandálias da marca. Confesso que mais do que o trabalho, o prêmio (um mês de estágio na fabrica da Melissa e outro mês na edição da revista), fez meu olho brilhar. Sair de Salvador já era um plano, e esta era minha chance. Alexandre Herchcovitch e Erika Palomino estavam entre os membros do comitê julgador. Me inscrevi, enviei o projeto e fui selecionada (!!!). Do dia para a noite e, com a benção da minha família, saí do calor do Nordeste direto para o sul do Brasil, onde ficava a fábrica da Melissa. O primeiro desafio foi aprender a me vestir, usar botas era algo surreal pra mim, e o frio tipico do sul, era algo que eu nunca havia sentido antes! Mas não só isso, quando volto no tempo, lembro como era inocente, introspectiva e bastante garota. Para minha surpresa, a Melissa me contratou logo após o término do estágio e assim, me mudei de mala e cuia pelos próximos 4 anos, onde trabalhei e terminei meu curso. Foi assim que começou, de cara, em uma das maiores empresas de calçados do Brasil.
E como era a Lane criança?
Sempre adorei desenhar e uma das memórias mais vivas da minha infância é da minha mãe me ensinando a fazer crochê enquanto as outras crianças brincavam na rua. Enquanto aprendia, me sentia aliviada por não estar com a criançada. Hoje sei que o silêncio e a paz que o trabalho manual me proporciona, é o “lugar” onde mais me sinto feliz.
“EU CRESCI EM UMA FAMÍLIA MUITO SIMPLES E TODAS AS MULHERES SABIAM PRODUZIR ALGO COM AS MÃOS, COMO COSTURAR SUAS PRÓPRIAS ROUPAS, FAZER CORTINAS PARA NOSSA CASA OU ATÉ LENÇÓIS PARA COBRIR NOSSAS CAMAS. NÃO TÍNHAMOS NENHUM LUXO, MAS PERCEBO HOJE O QUÃO IMPORTANTE CRESCER NESTE AMBIENTE, INFLUENCIOU MEU TRABALHO HOJE”.
Foi por isso que escolheu estudar Design Gráfico?
Sim, mas também por influencia do meu tio, ele era mais velho e estudou Design Gráfico, meu irmão também, mas acho que escolhi o curso apenas porque havia “desenho” envolvido (rsrs). No fundo, acho que se eu pudesse escolher hoje, talvez eu tivesse estudado Artes… isso com certeza é algo que ainda me persegue!
Arrisco afirmar que a indústria lhe abriu as portas pois viu em você mais que boa técnica. Trabalhar desde cedo ampliou seus horizontes e despertou outras vontades. Uma delas, foi abandonar a indústria. O que te fez interromper este processo de produção em massa e focar em produção artesanal?
A decisão foi intuitiva. Em 2012 fiz um curso de imersão em uma oficina do Charles Watson. Passei 40 dias aprendendo seus métodos e seu processo de criação. Neste período eu estava desenhando sem parar. Logo depois, me senti forte, segura e criativa o suficiente para tomar uma das decisões mais importantes da minha vida, deixar a indústria e experimentar novos desafios por um tempo, o que me levou a iniciar minha própria marca de produtos feitos a mão. Mesmo decidida, eu ainda passei 1 ano na Melissa para deixar tudo organizado, porque é assim que eu sou.
Foi a combinação entre a experiência na indústria, seguida da mentoria de Charles Watson o despertar para sua marca própria?
Definitivamente. Trabalhar e aprender muito com uma grande corporação, associada à orientação de Charles Watson, deixou claro para mim que eu precisava voltar e usar minhas mãos. Acabei de ler uma frase em uma parede grafitada que resume tudo o que acredito: “a obrigação da produção em massa afasta sua paixão de criar”.
Você mudou o processo e o formato, mas não o produto, por que sapatos?
No final de 2013, já instalada no meu atelier que ficava na varanda do meu apartamento, produzi minha primeira sandália rasteira. A razão número 1 na escolha do modelo, foi porque todas as marcas femininas focam em produzir sapatos de salto alto. Na história do design, os saltos sempre parecem incríveis e sexy, e normalmente as flats são apenas uma versão ou variação dos saltos, sempre vem depois na cadeia de produção. Eu quis inverter o raciocínio e criei uma sandália baixa como ponto inicial e ficou linda, feminina e delicada.
MAS HAVIA MAIS RAZÕES PARA DESENHAR FLATS, SOU ALTA E QUASE NÃO USO SALTOS. SEGUINDO MEU PRÓPRIO ESTILO, EU QUERIA CRIAR UMA MARCA E UM DESIGN PARA TORNAR AS MULHERES ELEGANTES E EXPLORAR OUTROS ELEMENTOS, NÃO APENAS PARA TORNÁ-LAS SEXY.
E assim você criou uma assinatura.
Olha, só eu sei como foi difícil começar com tão poucos recursos! trabalhando de casa e com as mãos. Mas foi a forma que encontrei para não comprometer a qualidade das peças, pois os saltos requerem maquinário e precisão para dar estabilidade, já as flats não precisam disso. Os modelos sem salto ou pouco salto, e as misturas de materiais como cordas náuticas, conchas e pedrarias, acabaram se tornando a identidade da minha marca.
Qual sua cor favorita para uma sandália?
Vermelho, eu adoro vermelho!
O que tem sido mais difícil e o que tem sido incrível na construção de sua marca?
Difícil: saber quando e como delegar, encontrar as pessoas certas para cada área e confiar nesses processos. Levei tempo, mas encontrei o meu caminho. Incrível: eu me sinto criança novamente! Ser capaz de criar como quando eu era criança, com minhas caixas cheias de materiais debaixo da cama. Em uma escala diferente, essa é a sensação que tenho todos os dias agora. Apenas sendo eu mesma. Há 5 anos, quando comecei, não imaginava onde estaria hoje.
“NUNCA TIVE O DESEJO DE TER MINHA MARCA. SE EU TIVESSE TIDO A OPORTUNIDADE DE SER EU MESMA E FAZER O MEU MELHOR ENQUANTO ESTAVA DENTRO DE UMA GRANDE CORPORAÇÃO, ESTARIA LÁ ATÉ HOJE. SIMPLESMENTE NÃO TIVE A OPORTUNIDADE NAQUELA ÉPOCA. NÃO É O LUGAR FÍSICO QUE IMPORTA, MAS SIM TER A OPORTUNIDADE DE SER VISTA E SER ACOLHIDA EM UM LUGAR EMOCIONAL , ONDE POSSAMOS SER NÓS MESMOS”.
Como você combina o lado criativo com a operação de um negócio?
Ao trabalhar em uma grande corporação, tornei-me mais gerente do que designer. Eu gerenciava vendas, pessoas etc. Então, não quero isso para mim na minha empresa. Eu tenho poucas e ótimas pessoas ao meu lado. Não podemos ser bons em tudo e eu não gosto muito de lidar com o lado comercial de ter uma marca. Então, eu tenho pessoas em quem confio cuidando disso para mim.
O que você acha que poderia ser diferente em sua experiência se você fosse homem?
Eu nem consigo imaginar como um homem poderia fazer o meu trabalho. E na minha profissão, acho que ser homem, não teria vantagem alguma. A melhor coisa de ser designer mulher é que faço o que faço com leveza, alma e coração. Não uso uma mascara de poder de maneira agressiva. Isso pode parecer contra os movimentos mais recentes dos direitos da mulher, mas o que eu acho é que não se trata de nós (mulheres) chegarmos onde o homem está, é mais sobre o homem encontrar nosso lugar. Pois somos muito fortes e competentes, sem a agressividade masculina.
Se uma corporação quisesse comprar sua marca, você venderia?
Não, pois carrega minha alma, é unica e criativa, e é assim que quero continuar.
Qual sua maior ambição relacionada ao seu trabalho?
Para complementar a resposta sobre vender ou não para uma grande empresa. Existem algumas grandes empresas que eu realmente admiro. Uma coisa que não mencionei é como é difícil fabricar meus produtos no Brasil. Não temos a cultura da qualidade de alto padrão como as marcas europeias, por exemplo. Eu tive que ensinar esses padrões às minhas artesãs, pois não encontramos uma boa formação profissional aqui. Tive a oportunidade de fazer aulas na França e sei que é uma questão de aprendizado, então espero que um dia eu possa ter artesãs mais bem treinadas na minha equipe. Pessoas com olhos orientados para oferecer acabamento de alta qualidade, à mão. Esta é a minha maior ambição no momento.
Existe alguma marca que você secretamente, gostaria de ter fundado?
Ah, talvez a CHANEL, pelos valores que a marca carrega. Se eu tivesse trabalhado com eles 10 anos atras, não consigo nem imaginar onde eu estaria hoje. Eles trabalham com muito zelo ao manual. Mas quem sabe um dia? Por que não?
Se você tivesse um superpoder, qual seria?
Inspirar todas as pessoas a fazerem o que realmente querem fazer.
www.lanemarinho.com @lanemarinho