Se alguém viesse do futuro e dissesse que um dia o planeta inteiro diminuiria o ritmo de uma só vez, eu não teria ouvido, tamanho era o “barulho”.
Era final de janeiro e eu acabava de chegar de Florença com planos e sonhos. Uma semana antes de entrar em quarentena, estreava minha coluna de viagens aqui na Bazaar. Uma honra para quem, como eu, escreve de um lugar singular, o da vivência. Ironicamente, no primeiro texto, sugeri que “ficássemos em casa”, alertando que o melhor plano naquele momento, seria “não ter planos”. Parecia uma piada, mas era vida real!
Naqueles dias não tínhamos ideia do tamanho do problema. Desde então, o cenário se agravou e continua avançando com enorme velocidade. Enquanto alguns países reabrem timidamente, nós ainda escalamos a pandemia a passos largos e, aparentemente, desgovernados. Ainda é cedo para novos planos, e no meu caso, para entender como será ter novas vivências, pós pandemia.
Está claro que a indústria de viagens sofrerá um impacto financeiro sem precedentes. Os negócios que se mantiverem, não serão os mesmo. Meu coração se volta aos amigos que estão à frente do problema e junto das milhares de pessoas que vivem em regiões nas quais sua única renda, acesso à educação e até mesmos o suprimento das suas necessidades básicas, depende de seus empregos em resorts e hotéis.
Enquanto aguardamos com esperança uma vacina, mantenhamos aceso nosso espírito resiliente e continuemos a sonhar. Do silêncio da minha casa, percebi que aquele fogo que me instigava a cruzar bordas, virou brasa latente e até que o sistema nos permita transitar com segurança, tenho buscado na informação a base para uma real transformação interna, seja na vida, seja no trabalho.
Viajar com um propósito maior, não é coisa nova, só aflorou. Já flertava com o ecoturismo, o turismo de comunidade e com a economia circular, mas me faltava uma coisa: me encaixar nisso tudo. Com todos os percalços da pandemia, mergulhei em novas leituras para entender como transformar meu maior prazer na vida em um ato sustentável.
Sem nenhuma pretensão em ocupar um lugar de fala imperativa, meu objetivo inicial é educar a mim mesma e por consequência, usar este canal para amplificar e estimular mais pessoas à equalizarem suas aventuras.
Para começar, sugiro que leiamos e saibamos interpretar os novos tempos. Termos e nomenclaturas, são por muitas vezes globais, ou seja, em inglês, e saber não só sua tradução, mas seu real significado, é o primeiro passo para transformar um discurso em vida real.
Eu comecei por ler e reler o documento que mapeia os 17 gols instituídos pela ONU para transformar o mundo através de ações sustentáveis até 2030. É esclarecedor. Ele nos coloca em um lugar possível. E repito aqui o que citei no meu texto anterior; diz: “É importante saber que qualquer pessoa pode ser um green citizen, seja ele agricultor, professor ou presidente. Queremos dar-lhes voz para persuadir outros a mudar hábitos”.
Eu incluo à esta fala, uma categoria que muitos de nós nos encaixamos: “viajantes”. E com isso, selecionei 8 termos para juntos, iniciarmos uma jornada em busca de um novo jeito de viver. Meu maior desejo, é que ninguém pare por aqui; mas abra a pesquisa e sinta qual dos caminhos possíveis, mais se alinha ao seu coração.
- Greenwashing: “lavagem verde ou pintado de verde”. Define ações de marketing que enganam o consumidor através da divulgação de informações que o seduzem, mas não são integras ou sustentáveis. É importante entender seu conceito para poder detectar propagandas enganosas na área da sustentabilidade. Ao escolher um destino ou hotel sustentável, exija transparência, questione suas práticas e solicite provas sobre o que compõe o produto ou o serviço que você está comprando.
- Turismo de Comunidade: este é um conceito sobre viagens que considera o bem estar local mais do que o destino em si. Se importa com a vida de suas pessoas, seus costumes e suas tradições. Os envolve em decisões, gerando também impacto na economia local através de empregos e educação. Quando viajar, converse com quem cuida de você. Lembro que em uma viagem à Guatemala, um ato simples, mas humano, ensinei inúmeras palavras em português para um dos garçons do hotel, que anotou e praticou, para que pudesse atender com mais carinho, seus próximos visitantes brasileiros.
- Biodiversidade: a complexidade de espécies na terra em todas as suas formas nunca esteve tão ameaçada e as que estão em maior risco, merecem nosso olhar e mais que tudo, nosso suporte. Hotéis que preservam e protegem a vida marinha ou a vida selvagem, tem meu maior respeito.
- Economia Circular: é um círculo ético e virtuoso que envolve o uso de fornecedores e bens rastreáveis que são reutilizados ou reaproveitados e, em seguida, devolvidos à economia ou a natureza, ao invés de seguir um consumo linear tradicional, que geralmente envolve: a compra de bens, o uso e seu descarte.
- Animal Welfare: “bem-estar animal”. A vida selvagem deve continuar selvagem. Ou seja, andar de elefante, nadar com golfinhos e alimentar macacos, não é legal. Veja, não toque.
- Design e Biofilia: a definição de biofilia é se integrar ao mundo natural. A arquitetura que imita a vida na natureza e se mistura com ela, é uma forma de respeito e cuidado. Fiquemos de olho em quem vai além da estética!
- Cidadãos Cientistas: Este termo define algo muito incrível, pois se refere à coleta de dados por viajantes que participam de pesquisas de campo. É uma ótima maneira de contribuir para a prevenção ou reparo de problemas ou crises ecológicas. “Um grupo de campanha que reúne sua comunidade para limpar os oceanos é o Surfers Against Sewage, que pede aos apoiadores que relatem as condições da água e tomem medidas quando necessário”.
- Acessibilidade: o termo contempla muito mais do que rampas de acesso para cadeirantes. Deve incluir possibilidades reais e inclusivas para diferentes tipos de deficiência físicas.
Dentro da cadeia do turismo, certamente os estabelecimentos que prezam por preservar o planeta e suas pessoas, estarão extremamente fragilizados pós pandemia, pois já eram os mais frágeis antes. Agora, merecem além do nosso olhar, nossa total atenção. A informação com o intuito de nos transformarmos como indivíduos ou para entender o curso do turismo nos novos tempo, é o melhor veículo para nos prepararmos para o futuro.
Quando as fronteiras se abrirem, cada pedacinho deste planeta terá se ajustado de acordo com seu momento em relação a um único problema, “o novo corona vírus”. E antes de cruzarmos oceanos, olhemos para perto, pois nos locomovermos, é definitivamente, um ato político.
Texto Dani Pizetta
Matéria originalmente publicada na Harper´s Bazaar online.