Ser madrinha de um ser humano é uma das mais importantes relações ‘familiares’
Venho de uma família grande, somos quatro filhos: três meninas e um menino, eu, a caçula temporã, mas cresci pensando que era um deles, “claro”. Acho lindo que enquanto criança, pensamos que todo mundo tem mais ou menos a mesma idade, até porque, sendo a 4ª filha, seus pais já estão tão cansados de serem pais, que você já nasce totalmente descolada de mimos e excessos. Diferente do que muitos pensam, os caçulas não são mimados, são livres (rs)! E ser livre não impediu que eu me tornasse madrinha de alguém aos 18 anos, muito pelo contrário, pois os motivos que levam pais a escolherem outras pessoas como guardiãs de seus filhos se resume a um só: seus valores essenciais.
Em 2017, embarquei com meu afilhado (e sobrinho numero cinco), na viagem que seria sua primeira internacional: NYC, Londres, Paris, Milão, Verona, Veneza e Berlin
Vinícius já é adulto. Me tornei tia muito cedo, aos 12 anos (cara, vocês não sabem como ser “tia criança” te faz pensar que é muito adulta). O protagonista desta viagem é filho único da minha irmã mais velha e nunca precisou de baby sitter, mas durante sua primeira viagem, sua mãe imaginou que precisaria uma espécie de “referência”. E este é um papel que dura a vida toda, não só na primeira infância, mas principalmente na fase da vida em que as escolhas de alguém definem o resto dela.
Partimos em dezembro de 2017 e a viagem durou até quase o final de janeiro do ano seguinte. Era inverno no hemisfério norte e me preocupava o frio intenso com tantos check-ins, mas o maior desafio desta aventura não seria o frio, e sim, viajar sozinha com um millenial ! Medo (rs). Mas quando encaramos tudo na vida como um experimento, a vida fica leve, e eu embarquei decidida a observar e a aprender sobre nossas reações aos mesmos lugares e às mesmas situações, porem de diferentes estágios da vida.
Vini, que mora em Florianópolis (SC) e cursa Sistemas da Informação, me encontrou no aeroporto de SP. Primeiro check in feito, caminhamos em direção ao nosso portão de embarque e provoquei uma conversa: “e aí Mr. Millennial, preparado para a jornada?” A pergunta com tom irônico, rendeu uma resposta azeda: “Millennial? E o que isso importa?” Não demorou muito para perceber que apesar da minha “esperteza”, apontei nele um rotulo que só existia na minha cabeça, pois Vini nem se quer se define como tal. Não posso falar pela maioria, mas para meu afilhado, isso tão tem importância alguma. Achei que começamos bem!
NOVA YORK
NYC foi a primeira parada e nos hospedamos no Publics Hotel, localizado nos arredores do SoHo. O hotel fundado por Ian Schrager, conhecido como um dos donos do icônico Studio 54, oferece quartos minimalistas em um prédio moderno com dois restaurantes e um bar na cobertura. Vizinho do New Museum e do Café Habana, foi este o restaurante escolhido para o primeiro brunch. Apesar dos traços cubanos, o café oferece também especialidades mexicanas e é famoso pelo inacreditável milho grelhado. Vini não achou nada demais, nem no hotel e nem no menu do Habana, e ainda se divertiu com o fato de eu ter engatado um papo com o barman sobre a origem dos produtos servidos, etc e tal (porque sou assim, eu gosto de uma conversa educativa rs). Mas foi neste momento que minha sobrancelha subiu até o couro cabeludo ao perceber que longas pausas para refeições não estavam no radar dele, tudo que queria era comer qualquer coisa e seguir viagem. Fiquei tensa!
LONDRES
Em Londres, tivemos a parte mais especial da viagem. Descobri que arte é um interesse comum. Vini, com seus vinte e poucos anos é fascinado por História, e isso, foi novidade pra mim. Mapeou museus de acordo com obras que queria conhecer e o National Portrait Gallery foi o escolhido para ver os traços históricos dos rebeldes londrinos de ontem e de hoje. Vini se interessa e sabe muito sobre as diferentes eras da monarquia Inglesa, o que fez Londres se desdobrar em história viva. Madrinha ficou orgulhosa, não só pelo assunto em comum, mas por apreciar e reconhecer artistas e seus diferentes traços. A partir daí, relaxei e passei a ouvir suas preferências (afinal já vivi Londres, mas com esta companhia, seria minha chance de aprender coisas novas sobre a cidade e sobre meu afilhado). Seu roteiro nos conduziu a inúmeros museus e galerias (não só em Londres, mas por todas as cidades seguintes).
PARIS
Quatro dias depois, descíamos na estação ferroviária de Paris. Chegamos no dia 31 de dezembro. A Cidade Luz foi a escolhida para passar a noite da virada, pois Paris é Paris! Não precisa muito para deixar um coração feliz. Como nesta época do ano a maioria das atrações, incluindo os museus, fecham, achei que passaríamos horas em cafés, olhando a vida passar, imitando os parisienses. Mas que triste ilusão, Vini não tem (mesmo) paciência para restaurantes – muito menos para ver a vida passar – e acho que este é mesmo um desejo de seres mais viajados. Foi quando tocamos na ferida e conversamos a respeito. Ele tenta entender o que tento explicar, e disse que talvez um dia curta a “nossa” fascinação por restaurantes e bons chefs… De qualquer forma fiquei feliz com o tom leve da conversa, com o humor que ainda ressoa nas minhas lembranças e com a liberdade e o respeito mutuo que fomos construindo.
MILÃO
De Paris, partimos de trem para Milão, Verona e Veneza. Neste momento da viagem, notei que Vini estava ficando super gripado e aproveitei para retomar meu discurso sobre o valor da alimentação para fortalecer o sistema imune – já estava me sentido uma chata, mas o que fazer quando os anos de vida te mostram o poder de um alimento? Acho que o “textão” aliado ao que sentiu na pele, o fizeram acelerar o entendimento sobre a minha causa. A gripe piorou e um brake físico e emocional, foi preciso.
VENEZA
Ao chegar em Veneza (eu me deslumbro sempre e me deslumbrarei a vida toda), fomos acolhidos pelo icônico Hotel Luna Baglioni. “Pensa num quarto quentinho, todo colorido, dentro de um antigo Palácio Aristocrático Veneziano e com um concierge atencioso que providenciou todos os cuidados para o Vini melhorar”! Foi quase carinho de mãe. Muita água, BOA COMIDA e 24 horas depois, já estávamos explorando a cidade e nos perdendo pelas vielas de Veneza, fascinados pela arquitetura e pela engenharia deste patrimônio Italiano.
BERLIN
Vini recuperado, partimos para Berlin, a única cidade que eu ainda não conhecia. Foi neste dia que percebi o quanto estava aproveitando a viagem, pelo simples fato de falar menos e ouvi-lo mais. A realidade é que não teria tempo ou feito este roteiro a essa altura da vida, mas receber o convite e ter a companhia de alguém tão bacana, educado, divertido e observador, me tirou da zona de conforto. Sempre viajo com amigos ou sozinha, e acho que por não ter convivido com o Vini enquanto ele crescia (quando ele nasceu eu morava fora do Brasil) não tínhamos intimidade, e nesta viagem, acabei me comunicando com ele como um incrível amigo.
Eu lhe pergunto: se sua família não fosse sua família, você seria amigo destas pessoas? Sorte a minha!
Vini tem uma atitude silenciosa, raramente usa as mídias sociais, mas se comunica constantemente por mensagem com seus amigos. Quando chegamos em Berlim, ele me contou que um amigo perguntou se a Europa era mesmo “outro mundo” e ele respondeu: “não, até chegar em Berlin”. Mais uma vez fiquei surpresa com a sensibilidade de alguém tão jovem em reconhecer a profundidade de uma cidade.
Berlim é muito autoral, cheia de contrastes, jovem, colorida… mas carrega um certo mistério e um peso por tudo que representa na história do sec XX. Mergulhamos na subcultura da arte de rua (logicamente o muro), mas fizemos também um tour pelos museus clássicos. Começamos pelo Pérgamo, o Neues Museum e, por fim, a Galeria Nacional. No Pérgamo, que apresenta arte da Antiguidade Clássica, absorvemos, entre outras coisas, a evolução do Islã e conhecemos a estrela do lugar: Nefertiti e sua beleza estonteante e simétrica. É fascinante. Qualquer um se vê nela. Eu me vi, Vini também (se viu). O fato é que escultura mexe com a imaginação de qualquer um, em qualquer Momento da vida.
DE VOLTA A LONDRES
Nossa próxima parada seria Amsterdam, mas Vini, que sentiu seu coração bater forte por Londres, quis voltar. Tínhamos muita informação na cabeça e no coração, logo, achei acertada a decisão. Londres se tornou uma espécie de “casa longe de casa” e ao chegar lá, tivemos mais tempo para perambular pelas ruas.
Pela primeira vez, senti que Vini começou a apreciar a falta de pressa. No fim, começamos a viver a viagem sob um mesmo ponto de vista. Dizem que nos tornamos parecidos com as cincos pessoas que mais convivemos, será?
Texto Dani Pizetta
Publicado inicialmente na revista Glamour/2018.