ALEX ATALA

O menino paulistano que conhecia cada curva deste labirinto de concreto, gostava mesmo era de pescar com seu avô

“Hoje, parece que fui um cara obstinado por estudar gastronomia, mas preciso olhar para você e dizer que esta é uma verdade romanceada da minha vida”

Alex Atala

Muito se fala sobre Alex Atala, mas para quem quer ouvi-lo, informo que em São Paulo existe o MUSEU DA PESSOA, e sua história está registrada nele. O museu é uma das melhores coisas que a cidade abriga, pois nos apresenta como obras de arte. No acervo encontrei um texto em primeira pessoa no qual Alex se descreve como: “um jovem elegantemente rebelde”; e de longe, concordo em gênero número e grau.

Entrevistei Alex no dia sete de agosto de 2020 para a série Histórias de Vigem que apresento no Iguatemi. Neste dia, ele e milhares de colegas reabriam seus restaurantes depois de cinco meses fechados. O chef brasileiro mais celebrado do mundo veio para a entrevista com o coração apertado. Sentia um misto de felicidade por voltar à cozinha, mas insegurança em relação ao sistema e aos órgãos responsáveis que não parecem organizados para dar suporte. Sete meses depois, hoje, Alex e seus colegas voltam a fechar as portas em meio à pouco (ou quase nenhum) auxilio.

Enfrentando esta pandemia sem precedentes e em mais um dia difícil para todos nós, publico esta conversa para celebrar esse cara gente fina, elegante, sincero e transgressor. Logo no início do papo, Alex avalia as histórias romanceadas que existem a seu respeito e diz que não foi nada daquilo! De peito aberto, conta que se aventurou no mundo com um único objetivo: ver suas bandas favoritas. Apaixonado por punk-rock, a música, foi talvez sua primeira conexão com o mundo e com suas emoções e aqui ele nos leva por viagens internas e sensoriais, como nunca antes.

De peito aberto, conta que se aventurou no mundo com um único objetivo: ver suas bandas favoritas. Apaixonado por punk-rock, a música, foi talvez sua primeira conexão com o mundo, e aqui, ele nos leva por viagens internas e sensoriais, como nunca antes

Alex, você nunca teve medo de se mostrar vulnerável. De onde vem esta força?

Me exponho porque outros vieram antes de mim e me inspiraram. A pandemia que estamos vivendo nos iguala e deixa uma enorme reflexão sobre nosso entorno. De forma empírica, joga na nossa cara que a única coisa que vale a pena é “querer bem” e trabalhar em conjunto. Me exponho pois não importa o quão conhecido sou, o que acredito é que não existe um todo sem partes complementares. Há muito tempo descobri o valor de uma equipe, mas nos primeiros meses fechados, tive os maiores exemplos de parceria. Economicamente a vida virou uma loucura, mas por outro lado, fui acolhido e suportado por cada integrante do meu time. Quando reabri o restaurante (no dia 7 de agosto de 2020) disse a eles chorando: se não joguei a toalha e não desisti durante estes últimos meses, foi por causa de vocês.

Acredito que essa força também vem das suas origens. Talvez poucos saibam, mas você carrega o primeiro nome do pai (Milad), de origem palestina, na sua certidão: Milad Alexandre Mack Atala, correto?

É isso mesmo! Este é meu nome.

Poderia falar um pouco sobre o menino Milad Alexandre e o que é que se comia na sua casa?

Minha família é simples…povo brasileiro, paulistano, classe média, com interferências palestinas por parte de pai e irlandesas por parte de mãe. Em casa comíamos comida simples, comida de todo dia. O máximo do diferente era quando minha mãe fazia um charutinho de repolho (que na verdade era um charutão) para agradar meu pai, ou meu pai fazia um churrasco aos finais de semana para a família toda. Porém era meu avô materno que adorava cozinhar, e essa coisa de “homem na cozinha”, aprendi com ele.

Meu avô materno adorava cozinhar, e essa coisa de “homem na cozinha”, aprendi com ele

 Soube que peixe fresco sempre esteve no cardápio da família, mas até onde eu sei, não se pesca em São Paulo…

Nós viajávamos muito. Meu pai nasceu no Mato Grosso e sempre gostou de viajar para lugares remotos sem muita estrutura. Íamos em família e meu avô (pai da minha mãe), foi uma figura muito importante no meu aprendizado em relação a natureza e a vida. Ele tinha esse hábito europeu de buscar a própria comida, e a pescaria fazia parte disso.

Nestas viagens em família eu vivia todo o processo da cadeia alimentar: pescar, limpar, preparar e assar; e hoje percebo que isso fez total sentido quando virei cozinheiro.

Quando entrei para a escola de cozinha, já sabia fazer muita coisa, não sabia cozinhar, mas preparar, tirar escama, depenar, cortar carne, picar legumes, reconhecer as ervas… isso tudo eu já tinha dentro de mim. Então, de alguma forma a educação de viajante que meus pais e meus avos me deram – além do respeito pela natureza – foram fundamentais não só na hora de cozinhar, mas na minha personalidade como cozinheiro

Alex Atala

Em uma recente entrevista você menciona que uma porcentagem altíssima de brasileiros não reconhece um pé de laranjas.

A desconexão das pessoas com o alimento enquanto vivo, na sua origem, no seu estado primário é um fato. Não estamos falando sobre não saber o estado primário do tucupi, do cupuaçu ou do assai, o que seria compreensível pois é originário de um bioma específico, mas constatar que a maioria das pessoas toma suco de laranja todos os dias, mas raríssimas reconhecem um pé de laranja sem fruta, é algo preocupante.

 Como o menino virou Chef?

O que fiz foi me jogar no mundo totalmente inconsequente e para conseguir um visto me matriculei em uma escola de gastronomia (por consequência), aprendi a cozinhar e a me expressar através da cozinha. As versões públicas das nossas histórias são sempre mais romantizadas. As vezes leio histórias sobre mim e quase não me reconheço. Apesar de tê-las vivido, teve zero glamour. Passei 6 anos fora do Brasil e a verdade é que eu estava apenas correndo atrás da minha vida, tentando me virar para viver o sonho de um adolescente de origem simples. Não tinha a pretensão de virar chef de cozinha, “não era nada disso” (risos). A história nua e crua é que eu queria morar fora do brasil e chegar perto das “minhas” bandas favoritas. Queria ver o mundo e eu faria qualquer coisa para viver esse sonho. Hoje, parece que fui um cara obstinado por estudar gastronomia, mas preciso olhar para vocês e dizer que esta é uma verdade romanceada da minha vida. A realidade, é que fui um garoto que cruzou um oceano e se deslumbrou… no melhor sentido da palavra. Quando cheguei lá, lembro de pensar: eu não quero voltar, eu quero ficar aqui.

Hoje, parece que fui um cara obstinado por estudar gastronomia, mas preciso olhar para você e dizer que esta é uma verdade romanceada da minha vida

Alex Atala

 Existe uma história conhecida sobre o momento em que você conquistou o mundo da gastronomia. Nos conte sua versão dela.

Vamos lá. No começo de 2005 eu já tinha um comecinho de história na gastronomia fora do brasil. Os grandes chefes do mundo naquele momento eram dois espanhóis: Ferrán Adriá e Juan Mari Arzak. Na época, fui convidado para dar uma aula na Espanha e falei sobre como podemos viajar através dos sabores: ao falar sobre shoyo, gengibre e algas viajamos para o Japão, se eu falasse sobre tomate, mussarela e manjericão vamos para a Itália, mas existia uma enorme dificuldade em explicar qual o sabor da Amazônia, um lugar tão conhecido quanto uma coca-cola; a diferença é que se eu falar a palavra “coca-cola”, você associa o sabor, mas se eu falar Amazônia não se sabe que gosto tem. O que fiz foi mostrar no palco os sabores da maior floresta tropical do mundo e fui aplaudido de pé com muita intensidade. Pra minha surpresa, Ferrán Adrà e Juan Mari Arzak subiram ao palco para me cumprimentar. Seria como se um astro do rock&roll subisse no palco de um iniciante, foi épico e nunca tinha acontecido isto antes. A cena foi mais ou menos essa e me jogou para um lugar especial. A partir daí, comecei a levar para o mundo nossos sabores e como eles podem elevar nossa cultura, preservar o meio ambiente e incentivar a nossa economia.

Existia uma enorme dificuldade em explicar qual o sabor da Amazônia, um lugar tão conhecido quanto uma coca-cola; a diferença é que se eu falar a palavra “coca-cola”, você associa ao seu sabor, mas se eu falar “Amazônia”, não se sabe que gosto tem

Alex Atala

Foi aí que você se apaixonou pela profissão?

Não acordamos um belo dia apaixonados. Eu acho que até a paixão à primeira a vista é precedida de alguns vazios e alguns “ocos”, e comigo não foi diferente. Como falei, só queria viver um sonho, pagar as contas e fui andando por diferentes países em busca disso. Mas no meio disso, conheci a Chris, a mãe do meu primeiro filho, Pedro, que hoje mora na Austrália. Na época, ela foi para a Itália para fazer um curso no Instituto Marangoni e eu (garotão apaixonado), fui atrás dela. Quando chegamos lá, não me adaptei, não conseguia emprego, não falava a língua, vinha de cozinha francesa e existia uma grande rivalidade entre as duas cozinhas. Um dia cheguei em casa dizendo que estava cansado e queria voltar ao Brasil, foi quando ela disse: “se você quer voltar, pode voltar, pois eu vou terminar meu curso”. Como eu sou um cara que tem muita personalidade, eu fiquei com ela (risos).  Passados uns meses sou chamado para um emprego e voltei pra casa “cheio de conversa” que ia começar a ganhar dinheiro, etc, e ela diz: “vc é um babaca, outro dia estava desistindo… você nunca deu valor ao que vc faz bem, que é cozinhar”. E foi naquele dia que algo cristalizou em mim. Mas desde o dia que entrei na escola de cozinha, até este dia, haviam se passado cinco anos.

Quando voltou você se adaptou rapidamente ao Brasil?

Sim, estava com muitas saudades, até dos problemas (rs). Sou exageradamente brasileiro. Por outro lado, não é segredo pra ninguém que muita coisa por aqui me incomoda de verdade, e por isso, levanto minhas bandeiras. Uma delas é o Instituto ATA que nasceu para jogar luz nos pequenos produtores do Brasil. Mapear a cadeia do alimento e fortalecer todas as pessoas envolvidas é o que faz sentido para mim. Ao longo dos anos percebi que minha maior força não é ser cozinheiro, mas ser brasileiro.

Ao longo dos anos percebi que minha maior força não é ser cozinheiro, mas ser brasileiro

Como tem sido construir o Instituto ATA?

Aqui no Brasil estamos caminhando aos poucos. Eu não acredito em guerra entre o agronegócio e o pequeno produtor. Tento encontrar soluções pacíficas ou até copiar o que tem funcionado em outros países para encontrar nosso caminho. Vou dar um exemplo: somos fortes no agronegócio e conhecidos pela larga escala – que sim é importante para nossa balança comercial – mas infelizmente isso deixou uma sequela no pequeno produtor rural que não é atendido. Na França ou na Itália, referências na gastronomia mundiais, os melhores queijos não vêm da indústria, os melhores vinhos também não, e aqui no Brasil é a mesma coisa, as preciosidades da nossa gastronomia vêm de todos os cantos do Brasil, de lugares familiares, de pequenas propriedades e é preciso dar suporte para que estes convivam em meio a indústria

 O que é preciso para o cidadão comum, o consumidor, ajudar você nesta causa?

É preciso reconhecer o valor da produção artesanal e pagar por isso. Valor e dinheiro não são a mesma coisa. Reconhecer o valor e pagar por isso, é uma grande chave de mudança

Alex Atala

Onde encontramos os produtos mapeamos pelo instituto?

O ATA existe para estruturar a cadeia do alimento e potencializar o pequeno produtor para que voe longe. Mas aqui em São Paulo, está uma das maiores conquistas do instituto, e que eu tenho um enorme carinho: o Mercado de Pinheiros. Obviamente seria injusto dizer que só nós fizemos pelo Mercado, mas seria injusto dizer que o ATA não fez muito por ele. Na época, o atual prefeito inseriu a revitalização do espaço na agenda, logo, começaram críticas: “Alex vai ganhar dinheiro com isso, vai fazer uma praça de alimentação, etc”. Mas os fatos provaram a intenção e a paz reinou. E lá são vendidas todas as delícias.

Toda essa brasilidade está também de forma visceral no seu episódio da série “Chefs Table”, mundialmente exibido pela Nelflix.

Vou te contar a história da minha vida. Quando jovem, bem garoto mesmo, tomei um ácido fortão e fiquei mal. No meio da loucura, comecei a questionar o sentido da vida e tive uma resposta, mas quando a onda passou eu não lembrava, e isso virou uma obsessão na minha vida. Não preciso nem falar que eu tive as experiências mais extremas buscando esse sentido e obviamente nunca consegui. Um belo dia, e por incrível que pareça “careta” tive um sonho. Nele, eu aparecia menino segurando a mão de uma pessoa que me mostrava cenas cotidianas, mas  não entendia o significado daquilo. Ele então me mostrou uma flor e uma mensagem clara me inundou. A flor é o momento mais bonito que temos e tínhamos que contemplar isso. Entendi que a resposta para minha maior obsessão era estar presente e entender o quão incrível é viver aqui e agora sem a necessidade de chegar a um lugar específico. A flor é o presente!

Sensível, observador e intrigado, Alex já plantou sua semente através do Instituto ATA e deixa aqui uma playlist para que continuemos a viajar com ele para dentro, e para fora

Playlist Alex Atala, clicar: aqui.

Para assistir a entrevista gravada, clicar: aqui

Imagens: Marcus Steinmeyer

Texto: Dani Pizetta